segunda-feira, 23 de junho de 2008

"Pois se há(por acaso) setenta e seis tempos diferentes, todos pulsando simultâneamente na cabeça, quantas pessoas diferentes não haverá- valha-nos os céu-, todas morando, num só tempo ou noutro, no espírito humano? Alguns dizem que duas mil e cinquenta e duas. De modo que é a coisa mais natural do mundo uma pessoa chamar, logo que fique sozinha, "Orlando?"(se esse é seu nome), qurendo com isso dizer "Vem, vem! Estou mortalmente cansada deste eu. Preciso de outro". Daí as mudanças assombrosas que vemos em nossos amigos. Mas isso também não é muito fácil, pois, embora se possa dizer, como Orlando disse (achando-se no campo, e necessitando talvez de outro eu), "Orlando?", o Orlando de que ela necessita pode não vir; esses eus de que somos constituídos, sobrepostos uns aos outros como pratos empilhados na mão do copeiro, tem suas predileções, simpatias, pequenos códigos e direitos próprios, chamem-se como quiserem ( e muitas dessas coisas têm nome), de modo que um só virá se estiver chovendo, outro, se for num quarto com cortinas verdes, outro...se lhe pudermos prometer um copo de vinho - e assim por diante; pois cada pessoa pode se multiplicar com sua própria experiência as diferentes condições que impõem os seus diferentes eus - e algumas, de tão ridículas, nem podem ser impressas em letra de fôrma."
Orlando - Virginia Woolf